LONG PLAYS #05
Um mini texto para o Dia do Rock e Jarvis Cocker volta a Buenos Aires com o Pulp: I wanna live with common people like you
SOUNDTRACKS
“Let Us Die”, King Princess
Sabe, às vezes acho que ficar velho é como aquela cena clássica de “Blade Runner”, quando Rutger Hauer diz “all these moments will be lost in time like tears in the rain”, e já não sei mais o que é nostalgia e o que é dor, e o caminho que tenho pela frente é apenas o passado, e então de repente ouço tu falar outra vez mais que me ama e é como se fosse um canção de rock nova e antiga ao mesmo tempo, uma guitarra com sonhos de cores saturadas e cheios de grãos, uma voz de vinte e pouco anos abrindo os pulmões em um refrão que gruda e fica e repete como o teu sorriso, e eu sinto essa vontade quase esquecida de ser parte da plateia, da pista e ter meu corpo esmagado entre camisetas de bandas e a grade que protege o palco, aquela sensação de entrega, de não ter medo de ser fã, e agora penso em nós dois e finalmente vejo que nossa vida é como a minha playlist de lançamentos do Spotify: toda sexta tu me dá uma nova razão para sorrir.
Sobre “Let Us Die”
“Let Us Die” da King Princess foi a minha música favorita de 2022. É rock e é pop com um refrão quase épico. E também foi uma das últimas gravações do baterista Taylor Hawkins. Nesse episódio do ótimo podcast Song Exploder, a própria King Princess fala sobre o processo de composição e gravação da música. É imperdível.
E o que é esse show no Radio City Music Hall em Nova York? Que vontade de estar lá e me sentir um velho com alma de vinte anos.
ALL THE BEAUTIFUL THINGS
Praia de Imbé no Rio Grande do Sul, dezembro de 2021. Adoro essa foto, faz a gente pensar em várias histórias. O filme que usei foi Kodak Portra 400.
EU QUERO SER AMIGO
… do Jarvis Cocker. A primeira vez que fui para Londres foi bem na semana em que o Pulp estava lançando o álbum “Different Class”. Chegar na capital inglesa foi como sentir o britpop batendo no meu rosto junto com o vento do outono. Lembro que os muros da cidade estavam cheios de cartazes anunciando o lançamento do disco. Para falar a verdade, eu nunca tinha ouvido falar de Jarvis Cocker e Pulp. Mas fui obrigado a ouvir “Different Class” em uma Tower Records e o resto é história. O Jarvis é com certeza um dos meus letristas favoritos. Suas canções são pequenos contos de gente comum e, por isso mesmo, tão geniais. Escrevi vários textos inspirados por músicas do Pulp (“Disco 2000”, “Like a Friend”, “Bad Cover Version”, entre outras).
E a notícia do dia é que a banda está de volta e vai fazer um show aqui em Buenos Aires. Óbvio que já tenho meu ingresso. Agora é só esperar que novembro chegue logo 😍
Abaixo o texto que escrevi em 1999 inspirado em “Like a Friend”.
“Feliz 1999, Márcia disse, deixa eu sentar ao seu lado, Bruno demorou para reconhecê-la, ah, ele falou, você é a mulher que estava dançando Pulp lá na cozinha, Bruno percebeu que Márcia ainda estava de pé, senta, ele convidou, Márcia tirou os sapatos e sentou à beira da piscina com os pés dentro d’água, aqui está gostoso, ela falou, está muito quente lá dentro, e sorriu, mas Bruno estava bêbado demais para entender o sorriso, por isso disse apenas algo como eu também gosto muito de Pulp, aquela letra de Like a Friend é cruel, mas a música é maravilhosa, e Márcia comentou que o legal de Pulp era o realismo das letras, a vida é cruel mesmo, ela disse, sei que é clichê mas é a verdade, e foi então que Bruno começou a dizer aquelas coisas, talvez fosse o excesso de álcool, mas ele não poderia evitar porque cada vez que olhava para Márcia lembrava do que havia visto há duas, três, quatro horas, Márcia tão bonita com o seu vestido preto, e isso era o mais lindo, ela era a única mulher de vestido preto na festa, todas as outras estavam de branco, sim, Márcia com o seu vestido preto dançando ao som de Like a Friend do Pulp lá na cozinha, em meio aos pratos, garrafas, copos, geladeira, forno de microondas, movimentando o seu corpo como se aquela fosse a última dança de sua vida, Bruno não conseguia parar de pensar naquilo e tudo começou a fazer sentido e, então, ali à beira da piscina, os dois bêbados, final de festa, com os pés molhados e esperando o sol nascer, Bruno começou a dizer aquelas coisas, coisas do tipo é uma pena que a gente tenha se encontrado apenas no começo de 1999, porque, afinal, você parece ser tão especial e eu gostaria que a gente pudesse passar mais tempo juntos, mas, você, sabe, estamos em 1999 e isso não é justo, o que não é justo, Márcia quis saber, não é justo, ele disse, simplesmente não é justo, não é justo que eu conheça você logo quando o mundo está prestes a terminar, sim, você tem razão Márcia, a vida é cruel como uma canção do Pulp, é cruel, é injusta, é triste, mas se você quiser eu posso viver cada um dos últimos 365 dias que ainda nos restam ao seu lado, como assim, ela perguntou, como assim o quê, Bruno disse, como assim 365 dias que nos restam, sim, talvez fosse o excesso de álcool mas Bruno disse ué, você não sabe, estamos em 1999, este é o último ano do milênio, na virada de 1999 para 2000 o mundo acaba, Márcia, assustada e surpresa, olhou fixo para Bruno e disse você está louco, não estou louco não, ele falou, você acredita nesta mentira, ela perguntou, Bruno apenas disse claro, eu acredito em profecias, Márcia, então, segurou a mão esquerda de Bruno e falou você pode acreditar o quanto quiser nesta história de que o mundo vai acabar no final do milênio, mas é bom que você saiba que o terceiro milênio começa em 2001 e não no ano 2000, Bruno duvidou, tem certeza, ele perguntou, tenho, Márcia disse e ele se sentiu o maior idiota do mundo, tenho que parar de beber, pensou, tenho que parar de beber e ficar dizendo estas bobagens, mas logo percebeu que aquilo era uma boa notícia, o mundo não vai acabar no ano 2000, puxa, que bom, quer dizer que ainda tenho muito tempo para ficar com você, ele falou, e quem disse que vou querer estar com você, ela perguntou, eu nem conheço você direito, e Bruno apenas apertou com força a mão de Márcia e disse nós temos 730 dias para você me conhecer melhor, é mesmo, Márcia perguntou, é, ele afirmou e, segundos antes de beijá-la pela primeira vez, enquanto o DJ da festa colocava novamente Pulp no som, Bruno disse feliz 1999.”
BAIRES
A dica de Buenos Aires de hoje é a Atte Pizzeria. Não é a típica pizza argentina que a gente vê em todos os guias da cidade, é estilo napolitana e teve consultoria do Anthony Falco que trabalhava no Roberta’s em Nova York. A única razão para eu recomendar a Atte é por causa da pizza que leva justamente o nome de Falco. É o melhor dos dois mundos: molho arrabbiata em uma pizza.
E você ainda pode dizer que comeu no mesmo lugar que a Dua Lipa 😂
Muito massa a informação que o Taylor tocou nessa faixa da King Princess, não sabia. Vou escutar o song exploder dela, obrigada pela dica. Conheci ela pois sou devota de Mark Ronson ♥️
PS: Bela foto da praia!