LONG PLAYS #01
Nem eu acredito que essa é a edição #01 da Long Plays. Espero que seja a primeira de muitas. Hoje a edição é 100% argentina.
Se você está chegando agora ou quer lembrar o que é a Long Plays, leia a edição #00.
SOUNDTRACKS
“El Amor Después del Amor”, Fito Páez
Não sei se a culpa foi do meu impulso irresponsável ou do Marcélo Ferla. Provavelmente foi um pouco dos dois. Era uma manhã de sexta de 1998 e eu estava na casa da minha irmã. Acho que decidi fazer uma visita rápida antes de ir ao trabalho, não lembro. Na cozinha, enquanto meu cunhado tomava café, comecei a ler o jornal Zero Hora e, claro, fui direto pro Segundo Caderno - a parte de cultura e tal. Toda sexta o Férla publicava a Remix, sua coluna sobre música. Sempre gostei dele, de uma certa forma me fazia sentir menos sozinho em Porto Alegre. Ali, no principal jornal da cidade, também existia um cara que gostava de ouvir as mesmas coisas que eu. Nesse dia ele escreveu uns dois ou três parágrafos que iriam mudar tudo. Era uma nota pequena, dizendo que a banda Primal Scream iria fazer um show naquela noite de sexta em Buenos Aires.
Hoje eu tenho consciência de que não deveria ter torrado quase todo o meu dinheiro em discos e shows de rock. Mas em 1998 eu não queria economizar para comprar um apartamento ou um carro. E pensar no futuro era esperar os novos álbuns das bandas que tanto gostava. Então fiz o que a minha lógica particular mandou. Às 11 da manhã daquele mesmo dia eu liguei para uma agência de viagens e comprei uma passagem para Buenos Aires. Na maior cara de pau fui até a sala do meu chefe, pedi o resto do dia livre, fui para a casa buscar uma mochila e o discman, e às 3 da tarde estava em um avião cruzando o Río de la Plata.
Era a minha primeira vez em Buenos Aires e já na saída do aeroporto cometi o erro de pegar um táxi de um daqueles motoristas que antes ficavam pescando turistas em Ezeiza. Gastei uma fortuna em dólares até o bairro da Recoleta porque o Ferla disse que o show era por lá. Consegui um hotel relativamente barato e fui atrás de um jornal para tentar conseguir mais informações. E nada de Primal Scream. A moça do hotel tentou me ajudar e me sugeriu ir ao Centro Cultural Recoleta. Era ali pertinho, cruzei uma praça e fui até lá. E outra vez nada de Primal Scream. Eu já estava duvidando do Ferla e decidi caminhar pela cidade para pensar no que fazer. Afinal, todo mundo dizia que era muito bom caminhar por Buenos Aires. Foi então que me dei conta o quanto aquelas ruas e avenidas eram diferentes das ruas e avenidas de Porto Alegre. Foi a primeira vez que pensei que eu poderia viver aqui. E de repente, o Primal Scream apareceu para mim no meio da rua na forma de um cartaz assinado por Levi’s Live, anunciando que eles iriam tocar em San Telmo.
O show, óbvio, foi foda. Aliás, os shows foram foda. Porque acabei indo na sexta e no sábado de tanto que gostei. Mas este texto não é sobre o Primal Scream. É sobre Buenos Aires. A cidade por onde caminhei e caminhei, naquela madrugada de sexta para sábado, voltando de San Telmo para Recoleta com um mapa em uma mão e a camiseta com a capa do “Screamadelica” na outra. E continuei caminhando no outro dia, atravessando a Santa Fé até chegar na Corrientes e dali ir até a Florida e comprar um tributo argentino ao The Cure em uma galeria de rua. Sim, pensava, eu poderia viver aqui.
Demorou alguns anos, mas um dia aceitei uma proposta de trabalho e continuei minha caminhada por Buenos Aires. Mas, se por um lado estava vivendo na cidade pela qual me apaixonei em 1998, deixei de lado um pouco o meu desejo quase irracional de querer ser um escritor. Até tinha aquela ideia romântica de escrever sentado em uma mesa dos cafés portenhos, mas um dia acordei e me dei conta que era apenas um executivo que gostava de dizer que gostava de Ramones só para se sentir melhor consigo mesmo. E, por esta e outras razões mais, há algumas semanas decidi sair do trabalho sem ter um plano B. Pode até parecer um impulso irresponsável dos meus distantes vinte e poucos anos. Mas sentia falta disso. De caminhar e poder ver algo realmente novo outra vez.
E agora que já não tenho trabalho na Argentina, muita gente me pergunta se quero voltar ao Brasil. A verdade é que não tenho resposta para isso. Mas depois de ver pela segunda vez “El Amor Después del Amor”, a emocionante série da Netflix sobre o Fito Paéz, me dei conta que nunca estive aqui somente por causa do trabalho. Pela primeira vez senti saudades de uma Buenos Aires que nem ao menos conheci. Os bares e shows e vinis e Charly e Spinetta e estádios de futebol dos anos 80. De uma certa forma eu sempre fui daqui e nem sabia.
Agora começo uma nova fase com a cidade. Não importa o que vai acontecer no dia de amanhã. É “o amor depois do amor”. E não é à toa que essa música do Fito Paéz é uma espécie de prima de “Movin’ on Up” do Primal Scream. E muito menos que o cantor rosarino lembre um pouco o Ferla. Porque nas ruas e avenidas de Buenos Aires tudo faz sentido. Tudo e todo.
ALL THE BEAUTIFUL THINGS
As esquinas de Buenos Aires. 💛
Essa foto eu fiz no outono de 2021 no bairro de Belgrano com o filme Kodak Vision 250D.
EU QUERO SER AMIGO…
… do Mateo de la Luna en Compañía Terrestrial. Porque essa música sempre me deixa feliz com o verso “vuelvo a sentir que hoy estás más linda cada día más, con el flequillo que da brillo a tu cara”.
BAIRES
A dica de Buenos Aires de hoje é óbvia para quem me conhece. Porque tenho a sorte de morar na mesma cidade onde está o meu restaurante favorito do mundo. Foda-se Michelin e suas estrelas, foda-se o 50 Best. O Sudestada sempre vai ser o melhor de todos. Fica em Palermo Hollywood, na Fitz Roy esquina com a Guatemala. Recomendo o curry verde de frango. Vale cada pimenta.
André, un placer conocerte de este modo y en este momento. Feliz por tu momento y por los que vendrán, porque sabemos que siempre hay un amor después del amor :)
O casal na foto, que timing. :)