LONG PLAYS #04
I'm always in love: uma edição atrasada com dois textos antigos, mas não menos importantes.
Semana passada não teve a edição quinzenal da Long Plays. Com toda a honestidade do mundo, não estava emocionalmente e fisicamente preparado para escrever nos últimos dias. Acontece. E vai passar 💛
Se você está chegando agora, comece pela edição #00 aqui.
SOUNDTRACKS
“Reservations”, Giancarlo Rufatto & Wilco Country Club
Querida Senhorita Não-Fã,
Eu deveria estar escrevendo um texto de um fã para outro fã de Wilco.
E no entanto, decidi que estas linhas serão para você que nem fã é. Mas que, com um doce sorriso que nem um e-mail é capaz de ocultar, um dia me disse que é bem provável que o Wilco faça parte de suas playlists em um futuro próximo. Confesso que não sabia se você estava falando da banda ou de mim, mas senti uma alegria no coração. E, assim, desse meu jeito dramático, brega e besta, esqueço que o pedido foi um texto sobre Reservations e escrevo uma carta para você, como se fosse uma tentativa de garantir um lugar para nós - eu e o Wilco - no seu futuro.
Talvez a primeira coisa que tenho a dizer é que há 10 anos, quando o álbum Yankee Hotel Foxtrot foi lançado, eu me sentia tão velho como me sinto hoje. Mas, pelo menos, eu achava que as coisas estavam indo bem. Seria exagero dizer que um disco fez a minha vida mais feliz, mas o Yankee Hotel Foxtrot me acompanhou em momentos importantes daquela época. Ele estava lá quando não tinha mais ideias para o meu segundo romance. Estava lá quando os relacionamentos perderam e voltaram a ter sentido. Estava lá quando tomei coragem para sair do Brasil e apostar em uma nova carreira. Porque o Yankee Hotel Foxtrot é mais do que um perfeito álbum de rock. É uma obra sobre reconstrução. A reconstrução da América pós 11 de setembro, de amores que se perderam no meio do cotidiano e, literalmente, de uma banda que decidiu reinventar as regras do jogo na indústria fonográfica. Enfim, detalhes que só importam aos fãs e críticos de música.
Corta para 2012. E, como você bem sabe, eu ainda me sinto velho. Agora, talvez com mais razão. A diferença é que o ano começou com algumas coisas fora do lugar. Sendo bem honesto, eu simplesmente deixei de acreditar em verbos no plural.
Até você sorrir pela primeira vez. Até você prender os cabelos pela primeira vez. Até você jogar todo o peso de seu corpo contra o meu peito pela primeira vez. Até você me fazer gargalhar pela primeira vez. Até você me chamar de dramático, brega e besta pela primeira vez. E, no meio de tantas primeiras vezes, que, por sorte, estão apenas começando, veio o convite para escrever sobre Reservations, e ainda fazer parte do coro do Wilco Country Club. Ouvindo repetidamente o refrão I’ve got reservations about so many things, but not about you, aos poucos comecei a entender.
O Yankee Hotel Foxtrot não é apenas um disco sobre reconstrução. É simplesmente um disco sobre o amor. Porque para reconstruir um país, um relacionamento, uma vida e até mesmo uma banda, é preciso amor.
Pode parecer mais um dos meus clichês. Que seja.
Porque hoje I’ve got reservations about meu futuro profissional, Buenos Aires, São Paulo, Porto Alegre, minha carreira literária, meninos e meninas trouxas, minha idade, minha maturidade, meu suposto talento para escrever, minha capacidade de fazer alguém feliz, but not about you.
Not about you.
Not about you.
Eu e o Wilco esperamos ansiosamente ver você, Senhorita Não-Fã, sempre por perto em um futuro próximo.
Por favor, não demore.
Sinceramente.
André Takeda, junho de 2012.
Um pouco mais de contexto sobre esta “carta”
A primeira vez que ouvi falar do Wilco foi em um texto escrito pelo jornalista Daniel Benevides para a Bizz em 1995 ou 1996. Não lembro exatamente o que li. Só lembro que fechei a revista e imediatamente encomendei o álbum “A.M”. E assim nasceu o meu fanatismo pela banda de Jeff Tweedy. Escrever sobre o que o Wilco significa para mim não entra em uma newsletter. Então vou resumir assim: para entender como sou fã é preciso apenas ler a dedicatória do meu segundo romance “Cassino Hotel”.
Para as pessoas que definiram o que sou hoje: meus pais, John Lennon, Caio Fernando Abreu e Jeff Tweedy.
Sim, eu dediquei um livro ao Jeff Tweedy do Wilco.
A questão é que nós fãs da banda no Brasil somos uma espécie de comunidade. Ou uma pequena seita 😂 Em 2012 o álbum fundamental do Wilco estava por fazer 10 anos. E o Luiz Young Espinelly chamou um monte de gente do bem para gravar um tributo brasileiro ao “Yankee Hotel Foxtrot”.
Um dos convidados para o disco foi o Giancarlo Rufatto. O Rufatto, por sua vez, juntou outros fãs do Wilco que ele conhecia pelo Twitter para gravar o coro de sua versão de “Reservations”. E eu fui um desses fãs. O Luiz também me pediu para escrever um texto sobre a música para acompanhar o álbum.
A verdade é que eu estava em um momento de reconstruir a minha vida pessoal. Muitas dúvidas, muitas dores, muito passado. Mas eu tinha acabado de conhecer a Giovana e as coisas voltaram a fazer sentido. Lembro que ela riu demais quando eu disse que decidi gravar os vocais para o Rufatto no banheiro porque tinha ouvido falar que a acústica era melhor ali. A gente não sabia, mas eu estava cantando “I’ve got reservations about so many things, but not about you” para ela. E, óbvio, quando sentei para escrever o texto, tudo o que pude fazer foi escrever uma carta para a Giovana.
Ou seja, a soundtrack de hoje não é inédita. Mas estamos em 2023, e eu e a Giovana ainda estamos aqui juntos. E já que fiquei sem muitas palavras nas últimas semanas, decidi publicar esta “carta” para lembrar onde sempre posso voltar a encontrá-las ❤️ ❤️ ❤️
ALL THE BEAUTIFUL THINGS
Giovana, pão e vinho no bar Naranjo em Buenos Aires. O filme é Kodak Vision 250D.
EU QUERO SER AMIGO
… do Giancarlo Rufatto. Sim, ele até já me convidou para cantar em uma música dele, mas isso não significa que somos amigos. O cara é um artista foda, com uma sensibilidade única e não cansa de lançar músicas novas. E também é autor desse projeto lindo escrito para a sua filha, o 50 Discos para Cecilia.
E eu acho a cover que ele fez para “It Must Have Been Love” do Roxette simplesmente perfeita. Melhor que a original, na minha mais modesta opinião.
EU QUERO SER AMIGO: BONUS TRACK
Já que essa edição é com material antigo e fãs de Wilco, aqui vai um texto que escrevi em 2016 (aliás, o ano em que a Giovana e eu nos casamos) para o Bruno Capelas. O Capelas também tem uma newsletter bem legal, a Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais.
Tenho um carinho enorme pelo Capelas, e no texto abaixo eu explico os motivos.
“Há quase quinze anos publiquei o meu primeiro romance, uma história sobre jovens de vinte e poucos anos com problemas comuns de jovens de vinte e poucos anos, e recheado de referências da cultura pop. Na época, muita gente comentava sobre o “Clube dos Corações Solitários” e do gaúcho que queria ser o Nick Hornby (volto a repetir: na verdade, minha inspiração foi o Douglas Coupland). A ponto do caderno Ilustrada da Folha de São Paulo dedicar uma matéria de página sobre o livro. Fiz uma entrevista muito legal com o jornalista Bruno Saito, e eu estava orgulhoso pelos meus quinze minutos de fama. Um dia antes da matéria sair, o Bruno me ligou e disse que também iriam publicar uma resenha escrita pelo Marcelo Rubens Paiva. Fiquei desesperado. “Feliz Ano Velho” e “Blecaute” foram dois livros que me fizeram querer ser escritor, e só o fato de imaginar o Marcelo lendo algo meu já me deixava suado.
Óbvio que naquela noite não consegui dormir.
Às 5 da manhã a versão online da Folha já estava disponível. Ignorei a ótima reportagem do Bruno e fui direto para a resenha do Marcelo. Veja bem, não é que ele tenha falado mal. Ele só terminou o texto dizendo que depois de ler o livro não teve aquela sensação de querer ser meu amigo. Quem gosta de J.D Salinger e “O Apanhador no Campo de Centeio” sabe que isso é uma referência ao personagem Holden Caulfield. Fiquei arrasado.
Consegui me recuperar daquela crítica, escrevi outro livro, e, hoje, mesmo longe da literatura sei que o “Clube dos Corações Solitários” pode não ter agradado ao Marcelo, mas é especial para muita gente. Gosto de pensar que é algo tão querido que tem até apelido. Os fãs dizem “Clube”. Assim como fãs do Salinger dizem “O Apanhador”, fãs do Smiths dizem “Strangeways” em vez de “Strangeways Here We Come” e fãs do Wilco dizem “Yankee” e não “Yankee Hotel Foxtrot”.
E então chegamos ao Wilco. Tenho várias bandas favoritas, mas de coração, coração, só duas: Echo & The Bunnymen e Wilco. Assim como a literatura, a minha paixão pelo Wilco ficou meio de lado por alguns anos. Sempre achei que eles lançaram quatro álbuns perfeitos e depois só cumpriram tabela. Agora sei que eu estava completamente enganado, mas para pensar assim foi preciso a banda voltar a América do Sul agora em 2016.
Poderia dizer que os dois shows que vi, um em São Paulo no Popload Festival e outro em Buenos Aires no BUE Festival, foram experiências únicas da minha vida, que me fizeram voltar a amar o Wilco. De repente, me vi pensando que “A Ghost Is Born” e “Sky Blue Sky” são outros dois álbuns perfeitos. Também não seria exagero afirmar que o solo de guitarra de “Impossible Germany” é um momento que nunca vou esquecer, que me causou uma reação física na alma, que senti como se estivesse sendo atropelado por todos meus discos juntos. Mas, para mim, os shows do Wilco foram mais que isso. Foi um reencontro com a música, essa paixão-vício-obsessão que tenho desde adolescente, que me fez querer escrever e contar histórias, que me deu amigos para o resto da vida, que me definiu como pessoa. E voltar a ver a música como centro de tudo é voltar a dar sentido às palavras. E foram as palavras que me fizeram ir ao show de Buenos Aires com o jovem jornalista Bruno Capelas. Dividimos o mesmo táxi, e ali descobri que ele é fã do “Clube”. E ele contou uma das histórias mais bonitas sobre meu livro. Disse que a primeira vez que foi a São Paulo sozinho (o Capelas é de São Caetano), ainda adolescente, ele ganhou um dinheiro do seu pai e comprou o livro “Febre de Bola” do Nick Hornby, o disco “Construção” do Chico Buarque e o “Clube”. Eu estou ficando velho, e ouvir isso de um cara quase vinte anos mais novo que eu, me emociona. Nem preciso dizer que o show foi lindo, com uma pegada bem mais rock’n’roll que no Popload. E tenho que confessar que tive uma espécie de epifania quando a banda começou a tocar “I’m Always In Love”, e abro um sorriso para a Giovana, e depois olho para trás e canto junto com o Capelas o verso “why, I wonder, is my heart full of holes” com um olhar de cumplicidade e felicidade. Era como se tudo aquilo, a minha banda do coração, a minha futura esposa que via os caras ao vivo pela primeira vez ao meu lado, uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos, os argentinos gritando e pulando, e um leitor que SIM quis ser meu amigo, era como se a música, o rock, o amor, a literatura e a amizade me jogassem de volta à realidade. E a realidade é: isso é tudo que importa para mim.
Que se foda o Marcelo Rubens Paiva. Eu prefiro mil vezes ter o Bruno Capelas como amigo. Porque amigo de verdade é aquele que me faz querer contar histórias outra vez.”
Não importa quanto tempo passe, toda vez que eu leio esse texto eu fico com lágrima nos olhos, bicho. A vida é legal demais – e obrigado sempre <3
Li o Clube a uns vinte anos atras depois disso emprestei para uma amiga que emprestou para outra amiga e nunca mais me devolveu, recentemente comprei um usado mesmo porque nao encontrei novo para dar de presente para minha filha e tenho certeza que ela vai querer ser sua amiga assim como eu quero ate hoje.... araço